A criação de uma plataforma que permite a autoexclusão de contas em sites de apostas é apresentada como avanço regulatório, mas revela mais sobre a dimensão do problema do que sobre sua solução. A medida surge em meio ao crescimento explosivo do setor, que transformou o Brasil em um dos maiores mercados de apostas online do mundo — sem que houvesse, até agora, um arcabouço robusto de proteção ao usuário. A autoexclusão funciona como um mecanismo de contenção individual, mas expõe a ausência de políticas estruturais para lidar com vício, endividamento e impactos sociais do jogo digital.
Embora seja positiva, a plataforma transfere ao próprio apostador a responsabilidade de reconhecer o abuso e se desconectar, ignorando que o ciclo de dependência é justamente marcado pela perda de autocontrole. Diversos países que adotam medidas semelhantes complementam a autoexclusão com monitoramento compulsório, limites de gasto, interrupção automática de acesso e estratégias de prevenção. No Brasil, por enquanto, a iniciativa opera de modo isolado, sem campanha educativa sólida, sem integração com operadoras e sem fiscalização efetiva. Assim, corre-se o risco de que o dispositivo funcione mais como peça simbólica — útil para propaganda regulatória — do que como ferramenta real de proteção.
A plataforma também escancara o dilema do Estado: arrecadar bilhões com a regulamentação das apostas enquanto tenta mitigar os danos que ela própria estimula. Sem políticas públicas de saúde mental, sem programas de apoio financeiro para endividados e sem responsabilização séria das casas de apostas por práticas abusivas, a autoexclusão é apenas um paliativo. Para que o mecanismo tenha eficácia, é preciso ir além da solução individualizada e assumir que o problema é coletivo. A indústria das apostas cresce apoiada na vulnerabilidade social; enfrentá-la exige mais do que um botão de desligar.
Da redação, Folha de Brasília.
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil







