Por, Cristovão Pinheiro
Na recente inauguração de um trecho da transposição do Rio São Francisco, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez uma afirmação infeliz e reveladora: “Deus deixou o sertão sem água porque sabia que eu ia ser presidente da República e que eu ia trazer água para cá.” A frase, que pretendia emocionar, escorregou para o delírio narcisista. Ao se colocar como figura quase messiânica — como se a escassez hídrica de milhões ao longo da história fosse parte de um plano divino que culminaria em sua chegada ao poder — Lula cruzou uma linha perigosa entre carisma e vaidade desmedida.
Mais que um tropeço de linguagem, o comentário escancarou o despreparo intelectual de quem, aos 79 anos, parece ter perdido o filtro entre a emoção e a razão. A idade, que em muitos líderes traz sabedoria e moderação, em Lula vem revelando um personagem cada vez mais refém de sua própria história, sem o senso de medida que a liturgia do cargo exige. Se outrora seu improviso era visto como autenticidade, hoje soa como descompasso — e não raro, como desrespeito à fé alheia, à dor histórica do povo nordestino e à seriedade do debate público.
Grandes líderes não se colocam acima da história — nem muito menos ao lado de Deus. Marco Aurélio, imperador e filósofo, dizia que o verdadeiro poder está em dominar a si mesmo. Ao contrário, Lula parece cada vez mais prisioneiro de sua figura mitológica, tratando feitos de governo como épicos pessoais. Mas governar não é atuar em teatro — é servir com sobriedade. E talvez seja justamente isso que falta: sobriedade, preparo e a humildade de quem entende que transformar um país é muito mais do que se ver como o escolhido.