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Um “vice decorativo”: As razões de Temer em carta a Dilma

Um “vice decorativo”, menosprezado pela presidente da República. Assim Michel Temer diz se sentir em relação a Dilma Rousseff em carta endereçada à petista e vazada para a imprensa na noite dessa segunda-feira (7). Em tom de lamento e decepção, o peemedebista afirma que foi desprestigiado várias vezes pelo Palácio do Planalto, reclama de “desrespeito” em relação às suas indicações para cargos, lista 11 episódios em que se sentiu desprestigiado pelo governo e escreve, com todas as letras, que tem sempre teve a “convicção” de que não goza da confiança de Dilma e de que nunca a terá.

“Sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, escreveu o vice-presidente (leia íntegra abaixo). O peemedebista também demonstrou incômodo com as sucessivas declarações de Dilma, nos últimos dias, de que confia em seu vice. “Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos”, ressaltou. A insistência da presidente como assunto, em suas manifestações públicas, tem sido interpretada como cobrança para que Temer critique publicamente a abertura do processo de impeachment na Câmara.

Nos últimos dias, Temer tem sido acusado por petistas de articular, nos bastidores, um movimento pró-impeachment com o objetivo de levar, por meio de sua própria figura, o PMDB ao mais elevado posto do país. Nas últimas semanas, além de ter recebido líderes da oposição no Palácio do Jaburu, residência oficial da Vice-Presidência da República, Temer viu seu braço-direito, Eliseu Padilha, pedir exoneração da Secretaria da Aviação Civil e voltar para a Câmara.

Embora garanta, por meio de sua assessoria, que a carta não significa rompimento formal com o governo – decisão que o partido deve formalizar em seu congresso nacional, em março de 2016 –, Temer comanda um processo de transição que implica, como o Congresso em Foco adiantou em junho deste ano, o lançamento de candidatura própria à sucessão de Dilma, na corrida presidencial de 2018. O desgaste da relação com a presidente é escancarada em vários trechos da carta do peemedebista.

Na carta, cita 11 episódios em que diz ter se sentido menosprezado pela presidente. Temer reclama que perdeu todo o “protagonismo político” nos quatro primeiros anos de mandato em que atuou como “vice decorativo”. “Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”, exemplificou. “Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”, criticou.

O vice-presidente protesta contra a demissão do peemedebista Moreira Franco da Secretaria da Aviação Civil, no início do ano, e a saída do seu sucessor, Eliseu Padilha, também do PMDB, precipitada, segundo ele, pela decisão de Dilma de vetar um nome indicado pelo ministro para a diretoria da Agência Nacional de Aviação Civil. “Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta ‘conspiração’”, queixou-se Temer.

Michel Temer critica ainda a falta de apoio dado pelo governo após sua articulação para aprovar parte inicial do ajuste fiscal no Congresso. “Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequência no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos.”

Leia a íntegra da carta:

“São Paulo, 07 de Dezembro de 2.015.

Senhora Presidente,

‘Verba volant, scripta manent’.

Por isso lhe escrevo. Muito a propósito do intenso noticiário destes últimos dias e de tudo que me chega aos ouvidos das conversas no Palácio. Esta é uma carta pessoal. É um desabafo que já deveria ter feito há muito tempo. Desde logo lhe digo que não é preciso alardear publicamente a necessidade da minha lealdade. Tenho-a revelado ao longo destes cinco anos.

Lealdade institucional pautada pelo art. 79 da Constituição Federal. Sei quais são as funções do Vice. À minha natural discrição conectei aquela derivada daquele dispositivo constitucional. Entretanto, sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo.

Basta ressaltar que na última convenção apenas 59,9% votaram pela aliança. E só o fizeram, ouso registrar, por que era eu o candidato à reeleição à Vice. Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo usando o prestígio político que tenho advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo.

Vamos aos fatos. Exemplifico alguns deles.

1. Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas;

2. Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações econômicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários;

3. A senhora, no segundo mandato, à última hora, não renovou o Ministério da Aviação Civil onde o Moreira Franco fez belíssimo trabalho elogiado durante a Copa do Mundo. Sabia que ele era uma indicação minha. Quis, portanto, desvalorizar-me. Cheguei a registrar este fato no dia seguinte, ao telefone;

4. No episódio Eliseu Padilha, mais recente, ele deixou o Ministério em razão de muitas ‘desfeitas’, culminando com o que o governo fez a ele, Ministro, retirando sem nenhum aviso prévio, nome com perfil técnico que ele, Ministro da área, indicara para a ANAC. Alardeou-se a) que fora retaliação a mim; b) que ele saiu porque faz parte de uma suposta ‘conspiração’;

5. Quando a senhora fez um apelo para que eu assumisse a coordenação política, no momento em que o governo estava muito desprestigiado, atendi e fizemos, eu e o Padilha, aprovar o ajuste fiscal. Tema difícil porque dizia respeito aos trabalhadores e aos empresários. Não titubeamos. Estava em jogo o país. Quando se aprovou o ajuste, nada mais do que fazíamos tinha sequencia no governo. Os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos. Realizamos mais de 60 reuniões de lideres e bancadas ao longo do tempo solicitando apoio com a nossa credibilidade. Fomos obrigados a deixar aquela coordenação;

6. De qualquer forma, sou Presidente do PMDB e a senhora resolveu ignorar-me chamando o líder Picciani e seu pai para fazer um acordo sem nenhuma comunicação ao seu Vice e Presidente do Partido. Os dois ministros, sabe a senhora, foram nomeados por ele. E a senhora não teve a menor preocupação em eliminar do governo o Deputado Edinho Araújo, deputado de São Paulo e a mim ligado;

7. Democrata que sou, converso, sim, senhora Presidente, com a oposição. Sempre o fiz, pelos 24 anos que passei no Parlamento. Aliás, a primeira medida provisória do ajuste foi aprovada graças aos 8 (oito) votos do DEM, 6 (seis) do PSB e 3 do PV, recordando que foi aprovado por apenas 22 votos. Sou criticado por isso, numa visão equivocada do nosso sistema. E não foi sem razão que em duas oportunidades ressaltei que deveríamos reunificar o país. O Palácio resolveu difundir e criticar;

8. Recordo, ainda, que a senhora, na posse, manteve reunião de duas horas com o Vice Presidente Joe Biden – com quem construí boa amizade – sem convidar-me, o que gerou em seus assessores a pergunta: o que é que houve que, numa reunião com o Vice-Presidente dos Estados Unidos, o do Brasil não se faz presente? Antes, no episódio da ‘espionagem’ americana, quando as conversar começaram a ser retomadas, a senhora mandava o Ministro da Justiça, para conversar com o Vice Presidente dos Estados Unidos. Tudo isso tem significado absoluta falta de confiança;

9. Mais recentemente, conversa nossa (das duas maiores autoridades do país) foi divulgada e de maneira inverídica sem nenhuma conexão com o teor da conversa;

10. Até o programa ‘Uma Ponte para o Futuro’, aplaudido pela sociedade, cujas propostas poderiam ser utilizadas para recuperar a economia e resgatar a confiança foi tido como manobra desleal;

11. PMDB tem ciência de que o governo busca promover a sua divisão, o que já tentou no passado, sem sucesso. A senhora sabe que, como Presidente do PMDB, devo manter cauteloso silencio com o objetivo de procurar o que sempre fiz: a unidade partidária. Passados estes momentos críticos, tenho certeza de que o País terá tranquilidade para crescer e consolidar as conquistas sociais.

Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã.Lamento, mas esta é a minha convicção.

Respeitosamente,

MICHEL TEMER

A Sua Excelência a Senhora

Doutora DILMA ROUSSEFF

Presidente da República do Brasil

Palácio do Planalto”

 

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