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Renda per capita elevada do DF permite que mercado de luxo sobreviva

Inflação e alta do dólar são dores de cabeça para as classes média e baixa. Como cantou Fagner, quem é rico continua morando na praia, ou melhor, viajando para lá.

Brasilienses esgotaram pacotes de viagens com valores acima de R$ 5 mil por pessoa para resorts no Nordeste, por exemplo, mesmo diante de um cenário econômico com taxa de desemprego em cerca de 15% no DF e servidores públicos com retroativos em atraso e benefícios parados. O mesmo vale para  produtos de grifes caras.

Especialistas apontam que quem já possuía dinheiro antes da crise econômica foi pouco afetado, especialmente por serem pessoas com planejamento para lazer e pagamento de contas. Para o restante da classe trabalhadora, que costuma parcelar suas empreitadas e precisar de dinheiro imediatamente para executar seus planos, a situação foi mais complicada.

Sobra renda

“Brasília é a região de maior renda per capita do País. O reajuste de salário e comprometimento de renda (de quem é mais abastado) é muito diferente das pessoas de média e baixa renda”, explica o economista Newton Marques.

Ele diz que por terem maior renda, as pessoas mais ricas guardam dinheiro em períodos prósperos, assim, quando a situação aperta, sobra renda para viajar ou manter o lazer. Para as outras classes, esse é o primeiro segmento a ser podado para garantir a obtenção de alimentos e moradia.

A administradora Patrícia Rocha Azevedo, de 36 anos, pretende levar a família – ela tem marido, dois filhos e deve convidar a enteada – para um resort na Bahia, a fim de aproveitar o restante das férias escolares. Moradora da Asa Norte, ela admite que costuma viajar todo ano e que nem sempre é possível fazer planejamento. Isso encarece o preço final da diversão, mas não o suficiente para cancelar o evento.

“A gente sempre se programa de última hora. Em outubro fomos à Disney também nesse esquema. O emprego do meu marido é meio imprevisível então só descobrimos se ele pode viajar em cima da hora”, justifica a administradora. Sua filha, Ana Carollina, de 8 anos, não tem do que reclamar. Conheceu a terra do Mickey e agora deve aproveitar o sol baiano.

Patrícia conta, porém, que a desvalorização do real frente a moedas estrangeiras mudou a programação inicial. Uma enteada convidou a família para a Alemanha e eles optaram pelo destino nacional. “Fazer as coisas assim em cima da hora deixa tudo mais caro, só que é o único jeito”, lamenta.

Calmaria no mês que devia ser agitado

O presidente da Associação Brasileira de Agência de Viagens (Abav-DF), Carlos Vieira, acredita que “o brasiliense vive de mala pronta, cada um dentro do seu padrão de vida”. Segundo ele, geralmente o lazer é a primeira coisa a ser descartada quando a situação financeira aperta, mas há ressalvas. “Quem tem mais verba mantém esse item no menu, por considerar muito importante”, resume.

“O mais afetado é quem tem menor poder aquisitivo e planejava viagem ao exterior. Pessoal que dependia de pagamento parcelado, tinha um orçamento restrito e não comprou moeda antes viu a reserva dele em real evaporar”, complementa o presidente da Abav-DF. Para ele, o erro de planejamento de quem ficou impedido de viajar ao exterior devido à variação cambial foi “confiar que o governo traria uma economia estável”.

Apesar disso, o setor teve um ano agridoce. Se por um lado os mais ricos esgotaram os pacotes mais dispendiosos e complexos, por outro o crescimento foi tímido em comparação a 2014. Vieira disse ainda não ter números consolidados a respeito, mas afirmou que é possível constatar o rendimento abaixo do esperado de maneira empírica. “Todo dezembro trabalhamos feito doidos, com dificuldade imensa de acomodar os clientes e achar vagas. Em 2015 foi muito tranquilo”, comentou.

Implante dentário de R$ 40 mil

O movimento fraco nas agências de viagens no mês de dezembro se deve, principalmente, ao enfraquecimento do poder de compra da classe média, conforme a Abav-DF. Para quem acessa serviços e mercadorias de luxo, a situação não obrigou a uma mudança de hábitos, sequer à diminuição de padrão de consumo. A consultoria MCF, de São Paulo, revelou, em novembro do ano passado, que Brasília se tornou um destino querido das marcas mais caras, como a Louis Vuitton.

Segundo o levantamento, quase um terço das grifes consultadas ainda consideram a capital a cidade mais importante, sem contar Rio de Janeiro e São Paulo. Isso após o atraso de salários de servidores, greves e as alegações do Governo de Brasília a respeito de falta de verbas sequer para fomentar desfiles de escolas de samba.

Ilha da fantasia

“Brasília é uma Ilha da Fantasia com várias características”, avalia o economista Newton Marques, em alusão ao seriado de TV do fim dos anos 1970. No programa, um milionário e seu assistente anão são anfitriões de um lugar onde todos os desejos podem ser realizados. “O diferencial de salário do setor público (em relação ao privado) é muito grande”, complementa o especialista.

Ele diz que uma das melhores formas de constatar isso é por meio de experiências sociais e pessoais. “Em Brasília, você vai ao shopping, vê ele cheio e pensa: ‘como isso acontece se existe crise?’”, exemplifica, e prossegue. “Tenho amigos cujas esposas reclamam que estão quebradas, mas só compram bolsas de marca. Meu cunhado é dentista e diz que muitos clientes preferem pagar implantes de até R$ 40 mil à vista”.

País atrai as marcas de luxo

O luxo encontra recepção e boa aceitação nacionalmente. No fim do ano passado, a Porsche, que trabalha com modelos inicias de veículos na faixa de R$ 350 mil, decidiu abrir oficialmente operações no Brasil. No mesmo segmento, marcas como Jeep e Chrysler, que não oferecem modelos por menos de R$ 200 mil, tiveram crescimento entre 12% e 134% no primeiro trimestre de 2015, em relação ao mesmo período do ano anterior. Os importados da Jaguar, Lamborguini e Volvo também apresentaram variação positiva de vendas entre 5% e 50%.

Em Brasília, o mercado imobiliário de luxo é um dos indicativos de que quem tem mais dinheiro foi bem menos afetado pela crise. Os imóveis milionários continuam em oferta e em rotação. No início do ano passado, o Sindicato da Habitação do DF (Secovi) constatou que essa ramificação do segmento apresentou crescimento de 32% no primeiro semestre, em comparação a 2014. Não é difícil encontrar anúncios de unidades com valores. Uma página em rede social especializada no assunto, por exemplo, veicula um anúncio de 950 m² no Lago Norte, ao valor de R$ 10 milhões (entrada de R$ 2 milhões). Existem interessados e vários outros exemplos.

Fonte: Da redação do Jornal de Brasília